Importante reconhecimento de uma especialização produtiva, ainda pouco compreendido pelo consumidor.

Janeiro é o mês dos espumantes – começa com o seu derramar cremoso e continua refrescando o nosso verão. Aproveito a ocasião para noticiar um acontecimento recente que vem corroborar a afirmação de que o espumante é o nosso vinho de excelência, o mais emblemático, por enquanto, daquilo que, potencialmente, produzimos com mais facilidade. A notícia surge como um reconhecimento desse perfil qualitativo, após algumas décadas de experimentação e de amadurecimento da nossa enologia em sua organização institucional.

Em 29 de novembro de 2022, foi publicado na Revista da Propriedade Industrial, do INPI, a concessão de uma Denominação de Origem (DO) aos vinhos espumantes de Altos de Pinto Bandeira, uma validação significativa, que eleva a condição anterior de Indicação de Procedência (IP) desta região produtiva e que sinaliza para o mercado de vinhos que se trata da primeira DO voltada exclusivamente à produção de espumantes elaborados pelo método tradicional do Novo Mundo do Vinho. Atualmente, na Europa, temos regiões modelares nessa condição, como Champagne, que inaugurou o método sofisticado de elaboração de espumantes, ali denominado champenoise, e Franciacorta, uma DO localizada na região da Lombardia, noroeste da Itália, que se dedica à produção de excelentes espumantes.

Eu não pretendo afirmar assim que tal ensejo é único ou suficiente para determinar a superioridade da qualidade de um produto, pois há belos vinhos no mundo inteiro, sem DO e sem altas notas de avaliação. A concessão de signos de qualidade envolve outros fatores protocolares, políticos e econômicos, que seria ingênuo e reducionista se fiar apenas em um deles para construir a avaliação de um vinho. A consistência da qualidade dessas produções ao longo do tempo é que vai nos permitir um melhor julgamento. No entanto, é fato que o processo de construção de uma Denominação de Origem e a regulamentação formal resultante dele criam condições bastante favoráveis para o controle de qualidade.

É pena que a sua importância nem sempre seja esclarecida ao público consumidor pouco habituado com esse repertório, como no caso do Brasil. A criação de Denominações de Origem tem se generalizado junto às produções de vinhos ou de produtos agroalimentares em vários países, tendo como importante referência as regulamentações europeias. Isto é, o caminho já vem sendo trilhado, mas junto ao público consumidor, ainda há uma fraca percepção da relação entre o status de DO e o fator qualidade.

Antes de Altos de Pinto Bandeira, tínhamos apenas a DO Vale dos Vinhedos no mundo do vinho nacional e algumas IPs. Elas resultaram de um longo processo de construção, envolvendo vários segmentos – do setor agrário, industrial, politico, jurídico, estratégico – que entenderam ser este um caminho para a evolução da enologia brasileira. O Vale dos Vinhedos e toda a Serra Gaúcha ganharam muita visibilidade nos últimos anos. Há um crescimento significativo das vendas de vinhos e do enoturismo na região e pode-se dizer que a criação das IGs (Indicações Geográficas, com modalidades IP ou DO) foi um dos instrumentos que contribuíram para essa evolução, mas falta um entendimento da relação do status de IP ou de DO com as qualidades dos vinhos.

Daniel Geisse (foto divulgação)

Digo isso porque essa relação existe e pode ser abraçada, caso os produtores apostem nessa condição e haja um esclarecimento do público a respeito do que isso significa. No caso de Altos de Pinto Bandeira, a DO abrange o município de Pinto Bandeira e proximidades, na Serra Gaúcha, que já era percebida como potencial terroir de espumantes por profissionais que trabalharam na Serra Gaúcha nas últimas décadas do século 20. Dentre eles, destaca-se o enólogo chileno Mario Geisse, patriarca da Cave Geisse, com sede em Pinto Bandeira. O mais antigo produtor da região é a Vinícola Don Giovanni. Posteriormente, compraram vinhedos ali também a Vinícola Aurora e a Valmarino.

Todos eles já produzem correntemente bons espumantes e, agora, de acordo com a regulamentação, os vinhos que portarem a inscrição DO Altos de Pinto Bandeira em seus rótulos deverão obedecer os seguintes critérios: usar apenas cepas plantadas ali das variedades Chardonnay, Pinot Noir e Riesling Itálico (esta limitada a 25% do corte); os vinhedos devem ser plantados em espaldeira, e a colheita não pode ser mecânica; o único método permitido para a produção é o tradicional (mesmo de Champagne) com tempo de autólise superior a 12 meses; o vinho base que será submetido à segunda fermentação em garrafa deve ter sido iniciado há, no máximo, cinco anos; os espumantes safrados devem conter o mínimo de 85% da safra indicada.

Em se tratando de uma região com matéria prima de excelente potencial de qualidade, a observação a esses preceitos mínimos já deve assegurar ótimos resultados e pode elevar ainda mais o nome do Brasil como um grande produtor de espumantes.

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